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domingo, 8 de abril de 2012

Municipalização da Segurança Pública

por José Cláudio Cabral Marques*
Inúmeras são as posições acadêmicas acerca das origens do crime. Recentemente a Universidade de Oxford, na Inglaterra, lançou uma obra que congrega desde o pensamento de Beccaria, estudioso do século XVIII, que escreveu o famoso livro “Dos delitos e das Penas”, até autores atuais muito respeitados que ainda escrevem sobre o tema, como Nils Christie e David Garland.
Prevalece a opinião exarada pelo próprio Lombroso, o qual, pouco antes de morrer, reconheceu haver errado com o determinismo e que, portanto, não existia apenas uma única causa que pudesse ser apontada como responsável pelas pessoas cometerem delitos. Importante frisar que Lombroso passou para a eternidade com a obra “O homem criminoso”, na qual defendia a tese de que determinadas pessoas, em razão de características físicas, já nasciam propensas a cometer crimes. No fim da vida, como já dito, reconheceu serem múltiplas as causas.
O Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), também se alia ao entendimento acima exposto e, partindo de uma percepção multifatorial das causas da violência criminal, propõe um novo pacto federativo em torno da questão da segurança pública, para enfrentamento do problema, reconhecendo a importância do município como parceiro fundamental na prevenção da criminalidade local.
A ideia não é nova, já em 1945, logo após a Segunda Grande Guerra, circulava a Carta de Atenas, talvez o primeiro documento a tratar das questões do urbanismo moderno. Em síntese, o referido documento continha diretrizes que almejavam substituir o modelo das cidades até então preponderantes – insalubres, promíscuas, degradadas e, principalmente, inseguras – por um outro modelo mais adequado às exigências da segunda metade do século XX, ou seja, doravante as cidades deveriam ser planejadas, urbanisticamente falando, sob o signo do zoneamento, com distribuição programática: habita-se de um lado, trabalha-se noutro, recreia-se ainda em outro, e circula-se intensa e ciclicamente por entre todos.
Tal modelo, em termos de segurança pública, foi desastroso, haja vista que criou espaços ocupados parcialmente, a saber: casas vazias durante o dia, locais de trabalho vazios durante a noite, aliado, como fator agravante, a um intenso tráfego de pessoas.
Hodiernamente, o problema se agravou, posto que as pessoas passaram a diminuir os espaços entre a moradia, o trabalho e o lazer, surgindo o fenômeno da favelização ou submoradia, da ocupação das ruas e calçadas para exercício de atividades laborais – o conhecido comércio informal – e do caos no trânsito.
É dentro de tal contexto que a maioria das cidades brasileiras se encaixa e, em maior ou menor grau, a questão da organização urbana está ligada à questão da segurança pública.
Pois bem, cabe questionar, em que nível se dá tal ligação, qual ou quais os reais efeitos gerados pela desorganização urbana – como causa – na esfera da segurança pública, no índice de cometimento de delitos?
Há variados tipos de infrações que podem ser cometidas pelas pessoas. As menos lesivas sequer interessam à seara do Direito Penal, são as infrações administrativas, como, por exemplo, exercer o comércio sem as devidas licenças, manusear alimentos sem atender as exigências da vigilância sanitária, praticar atos de vandalismo, fazer o transporte irregular de passageiros, dirigir em velocidade acima da permitida para o trecho rodoviário, estacionar em locais proibidos, ocasionando o caos no trânsito, com motoristas que cada vez menos obedecem às exigências legais emanadas da legislação pertinente à matéria, entre tantos outros exemplos.
 Tais infrações administrativas, como é público e notório, acabam por evoluir para infrações penais, pois não sendo fiscalizadas as pessoas encontram caminho fértil para a prática de delitos,  como, por exemplo, vender bebidas alcoólicas para menores, assim como vender todo tipo de produto pirata e originado de contrabando e descaminho.
Por outro lado, a ineficiência na fiscalização do trânsito vem gerando graves resultados, como o alarmante aumento nos índices de acidentes automobilísticos com morte e o crescente problema de poluição sonora originada de som veicular.
Há muito um dos maiores sociólogos e cientistas políticos, chamado Émile Durkheim, chamava a atenção para o problema da anomia, que nada mais é que o absoluto desrespeito/descumprimento das normas estatuídas para o controle social cuja consequência é a completa erosão do necessário consenso mínimo para a vida em sociedade.
Assim sendo, fácil dessumir o papel que os poderes públicos municipais devem desempenhar no âmbito das políticas de segurança pública, qual seja: dar cumprimento à legislação afeta a matéria de cunho administrativo, como tem sido feito na cidade do Rio de Janeiro, com o choque de ordem, através do qual se desenvolveram políticas de reorganização urbanística da cidade, com cadastramento do comércio outrora informal e definição dos espaços a serem ocupados pelo mesmo – nunca ruas e calçadas –, exigência do cumprimento da legislação atinente à saúde pública por parte daqueles que trabalham com alimentos, como também, com a intensa fiscalização, por parte da guarda municipal, do trânsito da cidade, cujo ápice são as blitz ininterruptas aos finais de semana, com objetivo de evitar a direção de veículos sob o efeito de álcool ou outras substâncias causadoras de déficit de atenção.
Entretanto, mais importante que ações de cunho repressivo, o poder público municipal pode – e deve – investir em políticas preventivas e inclusivas. A prevenção situacional já é uma realidade nas grandes cidades brasileiras, nas quais a vídeovigilância tem prestado grande auxílio na prevenção ao cometimento de delitos e, em última instância, à elucidação dos mesmos.
A construção de espaços de cidadania, como pólos integrados para a prática de esportes, artes e cultura em geral, é outra alternativa que vem apresentado excelentes resultados, com a ocupação do tempo ocioso da juventude.
Por fim, imprescindível pontuar que toda e qualquer política de segurança pública, passa necessariamente pelo entendimento entre os diversos atores responsáveis por levá-la a efeito. Deste modo, Polícias, Ministério Público, Poder Judiciário, Prefeitura e Governo do Estado e respectivas secretarias devem estar sintonizados em prol do alcance de medidas que tornem as cidades mais seguras e, consequentemente, um lugar melhor para viver.
*JOSÉ CLAUDIO CABRAL MARQUES é Promotor de Justiça

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